Paróquia Sagrada Família
A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo parabeniza a equipe vencedora do projeto da Paróquia Sagrada Família, que recebeu o prêmio Building of the Year 2024, na categoria Edifícios Religiosos, promovido pelo portal ArchDaily. O escritório ARQBR é único escritório brasileiro entre os vencedores da premiação mundial. O projeto da igreja tem como autores os arquitetos egressos da FAU Eder Alencar, André Velloso e a professora da FAU Luciana Saboia. A ficha técnica e o memorial pode ser lido abaixo:
Memorial
“Encontrei-me no altiplano, aquele horizonte sem limite, excessivamente amplo. É fora de escala – como um oceano com imensas nuvens movendo-se sobre ele. Colocando a cidade no meio, nós poderíamos estar criando uma paisagem.”1.
As palavras de Lucio Costa sobre as percepções e sensações iniciais ao deparar-se com o sítio escolhido para a edificação da Nova Capital do Brasil, Brasília, evoca um dos signos constituintes da concepção urbanística, bem como da representação de suas paisagens: a presença do horizonte. Para além do sentido de organização e orientação, o horizonte expressa a visão do todo e, primordialmente, o vínculo entre o observador e o ambiente, condição necessária ao aparecimento da paisagem.
Do gesto projetual à inscrição no território, as quatros escalas - monumental, gregária, residencial e bucólica - assinalam a sensibilidade contemplativa dada à paisagem, a consideração às ambiências urbanas, assim como as distintas formas de tratá-las. Mas será precisamente a escala bucólica, que definirá o caráter de Brasília enquanto cidade-parque, ao evidenciar a proximidade com a natureza intocada e um continuum estético entre espaços habitados, espaços livres, grandes extensões do cerrado, parques, cinturões verdes esparramados ao longo de eixos viários e o horizonte sempre desimpedido.
No processo de expansão urbana iniciado antes mesmo de sua inauguração segundo o modelo de cidades-satélites, o sentido de continuidade e visibilidade do conjunto urbano será dado pelas estradas parques, inspiradas nas parkways de Olmsted e Vaux e projetadas como instrumentos de planejamento regional. Às margens da EPIA, Estrada parque Indústria e Abastecimento, uma das principais componentes do sistema viário radioconcêntrico implantado para resguardar o Plano Piloto idealizado por Lucio Costa, encontra-se o sítio destinado à Paróquia Sagrada Família.
Caracterizada por uma exuberante alameda de eucaliptos que emoldurava a entrada da cidade, a EPIA, federalizada em 2004, foi transformada recentemente em via expressa, tendo seu leito principal ampliado e o tráfego de passagem segregado do tráfego local. Com a poda de quase a totalidade das árvores para abrigar vias marginais, o entorno esmaeceu de seu caráter bucólico distintivo, reforçado pelo parcelamento do solo, crescimento extensivo de moradias de alto padrão e grandes empreendimentos comerciais, criando rupturas no tecido urbano e conformando uma paisagem genérica em mutação constante. Assim, a função urbana da estrada, a atenção às qualidades cênicas e a experiência sensível do percurso dão lugar a velocidade, a eficiência e a fluidez sob uma lógica rodoviarista.
O partido adotado desdobra-se segundo a relação entre espiritualidade, natureza e comunidade. A espiritualidade comunica-se na religião católica através de seus ritos, celebrações e signos sagrados. O sentido de sagrado permanece e renova-se no contato sensível da natureza, que evoca a presença divina e a integração com o cosmos. Por sua vez, a arquitetura tem sido o espaço privilegiado de manifestação do sagrado por aquele que a ocupa, onde a luz penetra com delicadeza ou o silêncio da pedra manifesta-se no murmúrio das preces. A nave circular traz como conceito esse gesto de acolhimento quando aproxima o altar dos fiéis.
A luz natural penetra pelo anel circular da cobertura, transformando a espacialidade interna da nave, disposta meio nível abaixo da cota natural do terreno, o que permite o transbordamento da paisagem através de uma pequena abertura rente a rés-do-chão à medida que preserva a intimidade do espaço interno. Tal visada só é possível pela elevação do volume circular de concreto aparente suspenso por seis pilares integrantes da estrutura de fundação encaixada na topografia. Ao revelar a presença do horizonte, a arquitetura torna-se elemento constitutivo da paisagem, uma abertura para a dimensão poética do mundo, entrelaçando a realidade material ao olhar de seu espectador.
O traçado gerador do projeto é determinado por dois eixos principais. O eixo noroeste-sudeste interliga a nave circular, o anexo e a edificação existente ao fundo, onde localizam-se as atividades paroquianas. Ao longo de sua extensão, configura-se uma praça linear, um espaço de estar voltado para a cidade, que atua como suporte ao percurso errático daqueles imersos no ato ritualístico ou mesmo ao viajante da estrada, na busca pela suspensão do cotidiano ou de um refúgio dos tormentos do próprio existir. Perpendicularmente, o eixo nordeste-sudoeste preserva a visão contemplativa: o cruzamento da linha do horizonte com o volume vertical do campanário sinaliza e orienta o visitante ou àqueles que à distância passam em grande velocidade na via expressa.
Pode-se afirmar que o partido arquitetônico sintetiza três premissas fundamentais presentes em Brasília: a implantação edilícia inscrita delicadamente na topografia e sua abertura ao horizonte; a indissociabilidade entre o urbano e sua arquitetura, entre o espaço público e o privado e, por conseguinte, entre a comunidade e o sagrado; e terceiro, a consideração da paisagem enquanto elemento estruturante e fundamental da configuração arquitetônica, reconhecido no tombamento da cidade como patrimônio mundial da humanidade pela UNESCO.
CHURCH OF THE HOLY FAMILY
Memorial - Inglês
“I found the Planalto, that horizon without limit, excessively vast. It was out of scale – like an ocean with immense clouds moving over it. By putting a city in the middle of it, we would be creating a landscape”2.
Lucio Costa’s words about his initial perceptions and sensations after encountering the chosen site for the construction of the New Capital of Brazil, Brasilia, evokes one of the constituent signs of its urbanistic conception, as well as the representation of its landscapes: the presence of the horizon. Beyond the sense of organization and orientation, the horizon expresses the vision of the whole and, primordially, the connection between the observer and the environment, a condition that is necessary to the manifestation of the landscape.
From the design gesture to its printing on the territory, the four scales – monumental, social, residential, and bucolic – point out the contemplative sensitivity given to the landscape, the consideration to the urban ambiences, as well as the distinguished manners of treating them. But it is precisely the bucolic scale that is going to define Brasilia’s character of city-park, by evidencing the proximity with wild nature and an aesthetic continuum between living spaces, free spaces, great extensions of cerrado vegetation, parks, green belts extending along roads, and the always unimpeded horizon.
In the process of urban expansion, which started even before its inauguration according to the satellite-cities model, the sense of continuity and visibility of the urban collective will be given by the park roads, inspired by Olmsted’s and Vaux’s parkways, and designed as instruments of regional planning. On the margins of EPIA - Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Park Road of Industry and Supply), one of the main components of the radio centric road
system implemented to support Lucio Costa’s Pilot Project (Plano Piloto), is where the plot destined to the Church of the Holy Family is located.
Characterized by an exuberant avenue of eucalyptus that shaped the entrance of the city, EPIA, which began to be controlled by the federal government in 2004, was recently transformed in an expressway, having had its lanes extended and its traffic segregated from local traffic. Almost all the trees having been cut to accommodate the marginal lanes resulted in its surrounding losing its characteristic bucolic character, which was reinforced by the partitioning of the land, the extensive growth of expensive housing and great commercial enterprises, creating ruptures in the urban configuration and conforming a generic landscape under constant change. Thus, the urban function of the road, the attention to the scenic qualities and the sensitive experience of the route give place to speed, to efficiency and to fluidity under a highway logic.
The architectural concept adopted unfolds itself from the relationship between spirituality, nature, and community. Spirituality communicates itself in the Catholic religion through its rites, celebrations, and sacred symbols. The sacred sense stands and renovates itself through the sensitive contact of nature, which evokes the divine presence and the integration with the cosmos. Architecture, on its turn, has been the privileged space of manifestation of the sacred by the person who occupies it, where the light penetrates delicately or where the silence of the stone manifests itself in the murmur of the prayers. The circular nave brings as a concept this gesture of welcoming, as it approximates the altar to the congregation.
Natural light penetrates through the roof circular ring, transforming the internal space of the nave, which is disposed half level below the natural height of the plot. This allows the overflow of the landscape through a small opening aligned to the ground floor, at the same time that it preserves the intimacy of the internal space. Such a feature is only possible due to the elevation of the circular concrete volume, suspended by six pillars that belong to the structural foundation implanted in the topography. By revealing the presence of the horizon, the architecture becomes a constitutive element of the landscape, an opening to the poetic dimension of the world, connecting the material reality to its spectator’s gaze.
The generating outline of the design is determined by to main axes. The northwest-southeast axis connects the circular nave, the annex, and the existing building to the back, where the parish activities are located. Along its extension, there is a linear square, a space facing the city, which serves as support to the erratic route of those who are immersed in the ritualistic act or even the traveler on the road, in the search for the suspension of the everyday life or for a refuge
from the torments of being. Perpendicularly, the northeast-southwest axis preserves the contemplative view: the crossing of the line of the horizon with the vertical volume of the campanile signals and guides the visitor or those who cross the highway in full speed at a distance.
It is possible to state that the architectural concept synthesizes the three fundamental premises of Brasilia: the implantation of the architectural complex, delicately applied on the topography, and its opening to the horizon; the inseparability between the urban and its architecture, between public and private space and, as a consequence, between the community and the sacred; and thirdly, the consideration of the landscape as a structuring and fundamental element of the architectural configuration, recognized by Brasilia’s inclusion on UNESCO’s List of World Heritage Sites.
PAROQUIA DA SAGRADA FAMILIA
Religiosa
Brasília, Distrito Federal
Ano do Projeto: 2012-2015 Ano da obra: 2017-2022
Área: 3.915 m²
Autores: Arq. Eder Alencar, Arq. André Velloso e Arq. Luciana Saboia.
Colaboradores: Arq. Paulo Victor Borges e Margarida Massimo.
Estagiário: Rodrigo Rezende, Pedro Santos e Julia Huff
Arquitetura: ARQBR Arquitetura e Urbanismo
Construção: Tecnca Construtora
Estrutura Metálica: Comini Tuler
Estrutura de Concreto: Breno Rodrigues
Instalações: Alencar Costa
Luminotécnico: Beth Leite
Acústica: Síntese Acústica Arquitetônica
Paisagismo: Quinta Arquitetura, Design e Paisagismo
Conforto Ambiental: Quali-A Conforto Ambiental e Eficiência Energética. Equipe de consultoria: Juliana Andrade B. de Sousa (coord.), Gustavo L. Sales e Caio F. e Silva.
Fotografias: Joana Franca
Vídeos: Joana França